Início de primavera. Floração de Ipê-roxo. Minha árvore predileta, seguida de perto pelo pilriteiro, mas meu caso de amor com o pilriteiro é mais simbólico do que físico.
Quando as flores começam a aparecer, eu preciso parar para ver. Ver, mesmo, sem foto, sem olhar rapidinho; parar e ver, e registrar aquilo na memória. Ver em três dimensões e sentir com todas as outras. É mágico.
Hoje, tomando café e vendo um ipê que por acaso se encontra aqui do outro lado da rua, peguei-me pensando como tenho me afeiçoado cada vez mais às plantas. Tenho pesquisado mais, pensado em plantar, tenho me interessado por épocas de floração, tipos de cuidados, ervas medicinais...
E, é claro, sempre tenho aproveitado toda e qualquer sombra que elas podem oferecer. Não uma sombra estática e abafada de um prédio, e sim a de algo que está tão vivo quanto você, mas que, por alguma gentil ignorância nossa, não percebemos. Não percebemos, como Michael Crichton coloca nos pensamentos da Dra. Sattler, a paleobotânica de Jurassic Park, que o que pensamos ser um cenário bonitinho na realidade está vivo e lutando para sobreviver.
Com isso, penso nas minhas aulas de Botânica no Ensino Médio. Estudei em uma excelente escola, preparei-me para os vestibulares e fui uma CDF típica - nada muito hermionesco, mas alguma coisa eu fui. E, mesmo assim, por mais que eu gostasse do professor - gostava de todos -, e por mais que soubesse que o conteúdo que ele passava era exatamente o que cairia no vestibular, fica aqui uma reflexão posterior a esse período sobre como é ridícula a forma padrão de aprendizado, pelo menos nas escolas do Sudeste do Brasil. Fico pensando nas questões do vestibular e nas infinitas versões fálicas do caule com nomes cada vez mais estruturais e surreais que os professores faziam para decorarmos... xilema, floema (qualquer erro é mera substituição na memória semântica), angiosperma, gimnosperma, criptógamas, fanerógamas, hormônio do crescimento, etileno, auxina, dicotiledônias. A planta era estruturalmente recortada e revirada até ficar irreconhecível, e seu conceito se perdia.
Apesar do título do post, não vou dizer que é culpa da ciência. E se eu falar em academicismo, bom, não falo das universidades. Não é bem essa a minha mensagem. A ciência, como a vejo, é uma linguagem, uma linda linguagem, e não acho que algo perca a sua magia quando substituímos o pó de pirlimpimpim por reações em cadeia cada vez mais velozes e complexas. Mas, por vezes, tenho a sensação de que o resquício acadêmico que sobra aos alunos de ensino fundamental e médio padrão sobre tudo o que a ciência e o mundo têm a oferecer, pelo menos no modo pré-vestibular aqui do Brasil, é um completo fiasco. É o resto do resto, a versão mais sucinta e pobre.
Novamente: não quero culpar meus excelentes professores, minha ótima escola (falam mal dela, mas, bom, aprendi nela a passar no vestibular, e foi mais de uma vez); e muito menos a ciência, tão vasta. Na realidade, eu não sei a quem culpar, ou se alguém eu devo culpar, ou se devo diluir a culpa entre todos nós. Na realidade, meu recado não é sobre a parte da culpa, é um desabafo. Um desabafo meu.
No momento, sobre botânica.
Eu sei que tivemos Botânica no colégio, mas eu tenho a impressão de que precisavam pegar um pedaço pra moer e dar simplificado para a galera, e pegaram justamente o mais desinteressante e desconectado do todo que é a ciência em si. Já pensou? Não precisa exatamente nem mudar a estrutura organizada de sala de aula; umas apostilas e livros com mais imagens do que textos e mais fotos e gravuras do que nomes já seria um bom começo (mais imagens que textos, Bárbara, quem é você pra dizer isso? Pois é). Já pensou, em vez de ter de entender que a seiva pode ser bruta ou elaborada porque está carregada de nutrientes ou não soubéssemos por fotos, e não por gráficos? Já pensou ir em pequenos grupos a um bosque - eu disse pequenos grupos, não multidões em torno de um único professor que não falará alto o suficiente -. vendo a planta? Vendo o tronco da árvore? Não deve ser tão fácil, mas é mais contextualizado. Aprendendo a reconhecer as folhas mais comuns? Entendendo propriedades medicinais e aprendendo como que a indústria farmacêutica faz para isolá-las? Tentando entender como funciona a indústria de produção de papel? E reposição de árvores? E amostras em sala de aula, com caule, raiz etc? Com suas partes, conectadas e desconectadas? E tipos de árvore para reflorestamento? E tudo isso da forma mais prática possível? E, por favor, com menos nomes? Talvez mais etimologia, mas menos nomes. E mais curiosidades.
Mas quem sou eu para criticar nomes? Adoro nomes, tenho uma verdadeira consideração por eles, sou apaixonada. Mas meu problema é com muitos nomes descaracterizados, descontextualizados. E excessivos. Em nome de uma competição burra.
Mas quem sou eu para criticar nomes? Adoro nomes, tenho uma verdadeira consideração por eles, sou apaixonada. Mas meu problema é com muitos nomes descaracterizados, descontextualizados. E excessivos. Em nome de uma competição burra.
Nossa forma de ensino é burra. Não falo que é exatamente sem valor, mas é burra. Porque, por mais que você leve esses nomezinhos científicos para o túmulo, eles não serão nada quando você parar na rua e olhar uma árvore. Se você olhar, vai reconhecer informações soltas de um filme, do que sua avó fala, do que seu pai diz... nada de floema. Nada de xilema. Apenas micro-vislumbres do colégio e nada realmente muito útil.
Mas pode se gabar de lembrar nomes complexos e só.
Agora pense que você pode ter usado trinta e seis horas de sua vida, no mínimo, para guardar isso e levar para o vestibular, e daí nunca mais. Um dia e meio!
Como não sou uma educadora, não vou me antecipar dizendo que o vestibular deveria ser excluído. Não, não é isso, porque para isso eu realmente não tenho a resposta. O lance aqui é que, existindo ou não o vestibular, penso em nosso aprendizado como algo meio burro. Uma vez, me disseram que aprendemos dessa forma porque é um modo acadêmico, sem aplicação no cotidiano, voltado para ingressarmos na academia. E isso não faz o menor sentido. É como destacar um conteúdo aleatório para dar aos alunos, descontextualizando-o, e entregá-lo de bandeja para o jovem, e não entender por que a educação por aqui continua sendo um fiasco. Não entender por que é difícil para tantos se interessarem. Não entender por que a sede de conhecimento é eliminada por inanição e não por saciedade. Você mata a pessoa de sede e fome enquanto ela ainda é jovem e depois acha que o problema são os desinteressados, principalmente quando aparece um herói que tem vontade de passar no vestibular e passa contra todas as adversidades. O problema é sempre ele ou ela. Nunca é o contexto.
Eu não falo em acabar com o vestibular e nem com a padronização do aprendizado. Algum padrão acho provável que tenha por muito tempo. E também nunca fui o tipo que recusava aprender algo porque "não era aplicável". Teórica sou até demais. É que é meio frustrante caçar conhecimento hoje e pensar que muita coisa que você obteve antes poderia ter acontecido sob uma perspectiva mais interessante, integrada ao mundo; seriam menos horas de alienação e torpor. Não precisaria ser um conteúdo necessariamente técnico. Mas integrado. Para que não virássemos robôs decoradores alienados e frustrados.
Mas nunca é tarde para começar a aprender. Obviamente, o passado não me serve como desculpa, mas fico feliz em enxergar as coisas sob esse paradigma que, agora, percebo e sinto com todos os meus sentidos, e não apenas sei porque alguém me falou que nossa instituição é ruim. Certas coisas a gente precisa mesmo é ver, sentir e refletir.
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