Todos temos idiossincrasias. Algumas bem, digamos, peculiares... no meu caso, uma mania que possuo e da qual poucos são adeptos é ver o mesmo filme centenas de vezes. O namorado, por exemplo, acha isso curiosíssimo, a ponto de chegar para a mãe e dizer "mãe, a Bárbara tem mania de ver um mesmo filme muitas vezes, não é estranho?"
É de família. Meu irmão e minha mãe também fazem isso. Quando eu estava no colegial e chegava da escola, almoçávamos vendo filmes em vídeo repetidamente e só mudávamos quando realmente os havíamos decorado. Meu irmão, certa vez, entreteve de um jeito quase macabro a namorada e o casal de cunhados antecipando TODAS as falas de Pirata do Caribe, que estava passando na TV. Ele sabia TODAS as falas de cor e repetia todas em todas as cenas. Minha cunhada contou isso cheia de admiração, pensando que era uma característica dele - hohoho, ledo engano. Temos ainda a mania de, durante conversas, nos momentos oportunos, usar falas de filmes (dublados ou legendados), imitando a entonação da personagem, e o outro ri porque entende a referência, e ainda complementa com outra imitação. Muitas vezes, não eram falas notórias, mas aleatórias, que sequer foram imortalizadas em forma de gif ou meme, e das quais nos lembrávamos só porque víamos realmente até decorar - muito antes do tumblr existir para fazer isso pela gente.
Todo esse caso com um exagero digno de Sagitário eu contei para justificar a inauguração de uma tag de "cinema repeteco"; ela é formada por filmes que cozinham num loop infinito na minha lista de exibição no netflix sem razão aparente. Explico: são filmes que, muitas vezes, não são extraordinários nem para o bem e nem para o mal, mas que, quando chegam ao fim, eu pauso e vou fazer outra coisa; poucos dias depois, decido que quero rever o filme e dou replay, de forma que ele realmente permanece num loop. E assim vai. Até eu me encontrar em um estado de humor propício a novidades. E isso coincide com o fato de eu enjoar do filme velho.
Não são filmes necessariamente bons ou ruins, apenas que me conquistaram o suficiente para eu precisar ver centenas de vezes até absorvê-los em sua totalidade. Costumam ser de gêneros diversos, tendo em comum um roteiro leve - mal consigo ver filmes pesados uma vez, quanto mais trocentas - e um roteiro interessante, envolvente; freqüentemente, a fotografia também ajuda a despertar o desejo de repetir a dose. Rascunhei uma lista de filmes para essa tag que tenho repetido nos últimos dois anos e vou postá-la item por item.
O filme de estréia da "Sessão Repeteco" eu estava revendo pela undécima nova vez e tinha pausado por uns três dias quando foi retirado do netflix.
Exato: não cheguei a terminar a última rodada; quando retornei para acabar, ele havia desaparecido misteriosamente da lista de exibição. E agora vou falar um pouquinho dele:
O filme de estréia da "Sessão Repeteco" eu estava revendo pela undécima nova vez e tinha pausado por uns três dias quando foi retirado do netflix.
Exato: não cheguei a terminar a última rodada; quando retornei para acabar, ele havia desaparecido misteriosamente da lista de exibição. E agora vou falar um pouquinho dele:
Secret Admirer/Admirador Secreto (1985)
Diretor: David Greenwalt
Diretor: David Greenwalt
Comédia romântica clássica dos anos 80. Basicamente, é a história de uma garota, Toni, que é apaixonada pelo melhor amigo, Michael (interpretado pelo ator perseguido por Rutger Hauer em "A Morte Pede Carona"); Michael, por sua vez, é apaixonado por Deborah, uma garota linda, que não dá a mínima para ele e namora um cara da faculdade. Como Toni sabe que não é correspondida, escreve para Michael uma carta anônima, mas ele é convencido pelos amigos que quem escreveu foi Deborah; a carta passa de mão em mão na pequena cidade onde se passa a história e a confusão começa. É uma narrativa bem-feita e previsível para quem for diplomado em décadas de Sessão da Tarde - ou seja, gerações inteiras de jovens desocupados.
O legal do filme é como a coisa vai se encadeando - ou desencadeando; o roteiro é bem-estruturado e lembra o estilo de Chaves e de Friends, entendem? Sabem aquele recurso de usar as mesmas falas em contextos diferentes, deixando a situação cômica? Ou colocar personagens diferentes em situações idênticas, gerando uma cadeia de coincidências? O efeito ficou bacana. Tudo se passa em uma cidadezinha no interior dos EUA onde todos se conhecem, por isso a gente vê o Michael se relacionando com Toni, com Deborah, com os próprios pais, com os pais de Debbie (amigos de seus pais), com os amigos de escola, que também conhecem Toni - e por aí vai. Todo o elenco é aproveitado na história, aparecendo mais de uma vez; a carta de Toni meio que viaja pelos quatro cantos da história, inaugurando uma caos. É legalzinho ver tudo isso ambientado em plena "década perdida" e revisitar os hábitos dos jovens dessa geração, quando não havia internet para distraí-los nas horas vagas e os telefones ainda tinham fio e eram permanentemente conectados à tomada.
A Toni particularmente me lembra muito a Hermione Granger por ser filha única, responsável, CDF, e viver com dois pais austeros; por ter abundantes cabelos castanhos, ser apaixonada pelo melhor amigo sem noção e vivenciar uma série de desentendimentos por não ter coragem de se declarar. Basicamente, é interessante notar que essa confusão toda só acontece porque os supostos mocinhos - Toni e Michael -, como percebemos ao longo da história, simplesmente não se autoconhecem direito e não têm noção do que querem ou de como conquistar as coisas ou pessoas que desejam. Se tivessem um pouco mais de noção e autodomínio, nada disso seria necessário. Enquanto isso, o casal estereotipado formado pela garota bonita-popular-fútil e pelo universitário atlético-brutamontes-cabeça-de-vento, desde o início, sabiam muito bem o que queriam e como queriam. É interessante constatar isso porque o filme, como a maioria das comédias dessa época, quer ridicularizar esses estereótipos, mas, a um olhar atento, esses dois eram mais conscientes de si mesmos que os pretensos mocinhos inteligentes, cultos e esclarecido.
Uma crítica... Bom, spoiler: no final, a gente vê estabelecido o momento em que Michael finalmente se descobre apaixonado pela Toni - ah, que se dane, todo o mundo já deve saber disso mesmo que nunca tenha ouvido falar no filme. Isso acontece quando ele cai em si e percebe que a bela Deborah não era a garota que ele imaginava; era linda, mas aquela figura da patricinha fútil que fala sem parar, não escuta ninguém e só gosta de falar sobre si mesma e as roupas que adquiriu. Já Toni tem profundidade e sensibilidade, é intelectual, tem facilidade para escrever cartas bonitas, está para ingressar em uma escola peculiar (em alto-mar), é caseira e lê Os Miseráveis em francês nas férias (em vez de passar o dia se maquiando) e fala sobre sentimentos e idéias. É o famoso binarismo "beleza x inteligência" que lavou o cérebro de muita gente ao longo das Sessões da Tarde - aquela coisa de "namore uma garota que tenha mais livros do que sapatos". Esse binarismo está caindo em desuso; as moças e mulheres hoje não querem apenas o papel da beleza física e consumista ou o papel do intelecto - querem ambos e de forma indissociável. Por isso, o ápice da autodescoberta de Michael não teria o mesmo impacto que possivelmente teve na época; muitas moças intelectuais se vangloriavam de serem mais inteligentes que a moças bonitas, e vice-versa. Hoje, a moda é ir ao shopping comprar roupa bonita e ler Os Miseráveis - e, se brincar, as duas coisas ao mesmo tempo: ler Victor Hugo na fila do caixa da loja de sapatos. Não obstante, conheço uma mulher que é a louca dos sapatos e possui uma estante cheia de livros que já leu (ter lido é um detalhe importante!); e ela não gosta de romances ou narrativas - são livros de filosofia, cheios de teoria.
Por que eu vejo repetidamente esse filme: Porque gosto do visual "brega" dos anos 80. A música dos anos 70 me encanta, mas os anos 80 realmente me fascinam: o excesso de azul nas coisas e nos lugares, as estranhas roupas bufantes em cima e acinturadas em baixo, os cabelos volumosos, a música pop. Vejo repetidamente porque a cena da festa na faculdade e dos amigos de Michael é engraçada. Porque a confusão entre os pais de Michael e de Deborah também é engraçada. E porque nenhum dos personagens é afetado, permitindo que você consiga gostar de todos. E porque sempre aprovo comédias românticas que shippam melhores amigos - e abomino "A Garota de Rosa-choque" precisamente pelos mesmos motivos.
Não é o tipo de filme que saio recomendando, mas eu o tenho com um certo carinho. Mesmo que o plot não me seja original.
O legal do filme é como a coisa vai se encadeando - ou desencadeando; o roteiro é bem-estruturado e lembra o estilo de Chaves e de Friends, entendem? Sabem aquele recurso de usar as mesmas falas em contextos diferentes, deixando a situação cômica? Ou colocar personagens diferentes em situações idênticas, gerando uma cadeia de coincidências? O efeito ficou bacana. Tudo se passa em uma cidadezinha no interior dos EUA onde todos se conhecem, por isso a gente vê o Michael se relacionando com Toni, com Deborah, com os próprios pais, com os pais de Debbie (amigos de seus pais), com os amigos de escola, que também conhecem Toni - e por aí vai. Todo o elenco é aproveitado na história, aparecendo mais de uma vez; a carta de Toni meio que viaja pelos quatro cantos da história, inaugurando uma caos. É legalzinho ver tudo isso ambientado em plena "década perdida" e revisitar os hábitos dos jovens dessa geração, quando não havia internet para distraí-los nas horas vagas e os telefones ainda tinham fio e eram permanentemente conectados à tomada.
A Toni particularmente me lembra muito a Hermione Granger por ser filha única, responsável, CDF, e viver com dois pais austeros; por ter abundantes cabelos castanhos, ser apaixonada pelo melhor amigo sem noção e vivenciar uma série de desentendimentos por não ter coragem de se declarar. Basicamente, é interessante notar que essa confusão toda só acontece porque os supostos mocinhos - Toni e Michael -, como percebemos ao longo da história, simplesmente não se autoconhecem direito e não têm noção do que querem ou de como conquistar as coisas ou pessoas que desejam. Se tivessem um pouco mais de noção e autodomínio, nada disso seria necessário. Enquanto isso, o casal estereotipado formado pela garota bonita-popular-fútil e pelo universitário atlético-brutamontes-cabeça-de-vento, desde o início, sabiam muito bem o que queriam e como queriam. É interessante constatar isso porque o filme, como a maioria das comédias dessa época, quer ridicularizar esses estereótipos, mas, a um olhar atento, esses dois eram mais conscientes de si mesmos que os pretensos mocinhos inteligentes, cultos e esclarecido.
Uma crítica... Bom, spoiler: no final, a gente vê estabelecido o momento em que Michael finalmente se descobre apaixonado pela Toni - ah, que se dane, todo o mundo já deve saber disso mesmo que nunca tenha ouvido falar no filme. Isso acontece quando ele cai em si e percebe que a bela Deborah não era a garota que ele imaginava; era linda, mas aquela figura da patricinha fútil que fala sem parar, não escuta ninguém e só gosta de falar sobre si mesma e as roupas que adquiriu. Já Toni tem profundidade e sensibilidade, é intelectual, tem facilidade para escrever cartas bonitas, está para ingressar em uma escola peculiar (em alto-mar), é caseira e lê Os Miseráveis em francês nas férias (em vez de passar o dia se maquiando) e fala sobre sentimentos e idéias. É o famoso binarismo "beleza x inteligência" que lavou o cérebro de muita gente ao longo das Sessões da Tarde - aquela coisa de "namore uma garota que tenha mais livros do que sapatos". Esse binarismo está caindo em desuso; as moças e mulheres hoje não querem apenas o papel da beleza física e consumista ou o papel do intelecto - querem ambos e de forma indissociável. Por isso, o ápice da autodescoberta de Michael não teria o mesmo impacto que possivelmente teve na época; muitas moças intelectuais se vangloriavam de serem mais inteligentes que a moças bonitas, e vice-versa. Hoje, a moda é ir ao shopping comprar roupa bonita e ler Os Miseráveis - e, se brincar, as duas coisas ao mesmo tempo: ler Victor Hugo na fila do caixa da loja de sapatos. Não obstante, conheço uma mulher que é a louca dos sapatos e possui uma estante cheia de livros que já leu (ter lido é um detalhe importante!); e ela não gosta de romances ou narrativas - são livros de filosofia, cheios de teoria.
Por que eu vejo repetidamente esse filme: Porque gosto do visual "brega" dos anos 80. A música dos anos 70 me encanta, mas os anos 80 realmente me fascinam: o excesso de azul nas coisas e nos lugares, as estranhas roupas bufantes em cima e acinturadas em baixo, os cabelos volumosos, a música pop. Vejo repetidamente porque a cena da festa na faculdade e dos amigos de Michael é engraçada. Porque a confusão entre os pais de Michael e de Deborah também é engraçada. E porque nenhum dos personagens é afetado, permitindo que você consiga gostar de todos. E porque sempre aprovo comédias românticas que shippam melhores amigos - e abomino "A Garota de Rosa-choque" precisamente pelos mesmos motivos.
Não é o tipo de filme que saio recomendando, mas eu o tenho com um certo carinho. Mesmo que o plot não me seja original.
Tem gente que corre tanto para dar conta de tudo que quer fazer na vida. Muita coisa para ler, muita coisa para ver. Penso que ver repetidamente um filme ou ler novamente um livro é só repetição do prazer que senti enquanto fazia essas coisas pela primeira vez. Acho uma delícia!
ResponderExcluirPs.: Adorava o C. Thomas Howell. :)
Com certeza, Annina! A gente vive um momento em que o que mais temos é coisa nova pra ver ou fazer! Concordo com você - parece que em muitos prazeres da vida, inclusive, procuramos essa repetição. Por vezes, não nos satisfazemos em saborear um único momento, uma única vez...
ExcluirTem uns filmes, como Cloud Atlas, que parecem muito densos para uma sessão só, demandam repetição, mas é pela densidade, mesmo. Talvez não seja o caso deste! hahaha :D
[O C. Thomas Howell é um desses caras "curinga", cai bem em uma série de papéis]