Parte II - A Mudança de Curso Bourne
Quando tranquei o curso de Farmácia, já havia assistido a um filme chamado "À Procura da Felicidade" (The Pursuit of Happyness), dirigido por Gabriele Muccino. É aquele em que, basicamente, o Will Smith fica andando para lá e para cá com o filhinho dele e passando um perrengue danado, sabem? Então.
Como boa parte da nossa sociedade regida por uma ética protestante - a despeito de uma tradição caótica católica -, internalizei em minha essência uma idéia fervorosa que uma interpretação desatenta desse filme poderia reforçar: a idéia de que todos temos igual capacidade e obrigação de "vencer" na vida mesmo diante das piores circunstâncias, de modo que nosso sucesso é de responsabilidade exclusivamente nossa, sem influência do meio no qual nos inserimos. Todos somos capazes e, quanto pior for a nossa situação momentânea, mais fortes e fodônicos devemos ser; se o "Will Smith", dormindo com o filho pequeno em metrôs e albergues, conseguiu ser bem-sucedido como contador, com certeza eu tinha a obrigação de apresentar uma conduta tão exemplar quanto a dele. Basicamente, segundo esse pensamento, se eu não conseguisse vencer meus obstáculos e tropeçasse em algum momento, a culpa seria total e imperdoavelmente minha - um famoso imperativo que divide pessoas entre "vencedores" e "fracassados"; parece até que essa idéia é coisa de estadunidense, mas ela se faz mais presente na cultura brasileira do que sonha a nossa vã filosofia.
A realidade é que não concordo com nada disso. Não acho que as coisas funcionem de forma maniqueísta; os motivos que regem as escolhas e as ações da humanidade admitem matizes, o que torna a idéia de sucesso ou fracasso distorcida e dura demais. Se a história desse cara, que não era o Will Smith, foi para o cinema, é porque, mais do que uma história de superação, é uma história de exceção, e não devemos ser tão rígidos em fazer da exceção a regra. Se a exceção for uma coisa positiva, podemos torná-la uma regra por meios igualmente positivos - não de forma sádica e perversa. Se quisermos mais pessoas convictas e capazes de dar a volta por cima, não devemos fazê-lo pelo imperativo da raiva, mas com compaixão, compreensão, lucidez, temperança. Mais equilíbrio, menos rigidez.