sexta-feira, 2 de maio de 2014

Gosto se discute?

Arte: Tatsu Subaru.


Tudo começou com meu post musical abaixo; este seria parte dele, mas ia ficar desnecessariamente grande, e estou sempre na luta eterna por encurtamento de posts. Daí resolvi dividir em duas postagens.

Bem, descobri, por meio de um sábio amigo, que, quando meus ouvidos ficam invictos a músicas desagradáveis, as que grudam acabam sendo as boas!

Sim, eu sou chata com música ruim. E o que é música ruim? Música que me desagrada. Fim.

Na realidade, meu ponto de vista é um pouco mais complexo. Eu questiono seriamente nossos gostos, nossas preferências, ao contrário da famosa frase "gosto não se discute". Porque tenho o péssimo hábito de questionar todo e qualquer senso comum.

Muitas pessoas possuem uma estranha mania de tornar verdade absoluta sentenças quase aleatórias e, a partir de uma quantidade de likes culturais, aquilo passa a ser uma verdade absoluta.

Bom, não sei se porque estou assistindo a "O Sorriso de Mona Lisa" ou porque sou assim - ou se estou vendo justamente "O Sorriso de Mona Lisa" porque sou assim -, dispenso adotar verdades absolutas sem questionar uma por uma. Até o infinito.

E além.


Enfim, eu tenho acreditado na existência de três etapas de superação de um preconceito:

- Aceitação racional (compreensão);

- Aceitação emocional (empatia);

- Absorção (identificação).

1. Quando eu me convenço, por exemplo, de que funk é música por vias racionais, ou seja: quando, lendo sobre conceito de arte, de livre expressão, eu percebo que existem várias formas artísticas e que todas expressam sua cultura, e estudo um pouco de antropologia, sociologia, psicologia e, por que não, História, eu me descubro em um contexto social que me propicia repudiar o funk, mas que o fato de eu ser esse sujeito não impede universalmente esse estilo de existir e de ser uma forma musical. E que pode até haver argumentos musicais contra o funk, mas isso seria de um conhecimento artístico próprio de musicistas isento de paixões (em teoria).

Mas eu ainda posso rir das piadinhas que fazem a respeito de funk.

2. Quando eu deixo de sentir a necessidade de zoar o funk, ou de rir de piadinhas, ou ainda, quando deixo de procurar uma reação aversiva a seu respeito ou a respeito de quem curte, é porque, emocionalmente, eu compreendi o que enxerguei intelectualmente. Eu diria que isso é uma superação gigante, não total, mas quase, bem quase.

Porque é um preconceito que deixa de me pertencer. De repente, zoar o funk não faz mais sentido pra mim porque, no meu universo, é um estilo como qualquer outro - mesmo eu não curtindo. Eu não pertenço mais ao universo do preconceito, e atesto isso emocionalmente. Eu não sinto necessidade de discriminar - no sentido pejorativo - algo com o qual não me identifico. Reconheço sua existência, mesmo longe de mim. Rir ou encontrar outras camuflagens para menosprezar se torna desnecessário porque já não está mais em mim essa visão da realidade.

3. Quando, além de empatia, eu sentir simpatia, uma identificação, eu terei superado totalmente o preconceito. Esta não é uma etapa, digamos, "obrigatória" porque somos sujeitos contingentes, então fatalmente deixaremos de nos identificar com certos aspectos e nos identificaremos com outros. Isso é constituição de nossa identidade.

Eu ainda estou na fase 2. E não sei se, no exemplo dado, chegarei à fase 3. E, no caso do exemplo citado, não me parece necessário.

Eu acho muito importante seguir esses passos para garantir a compreensão do outro em sua forma verdadeira, pura, sem hipocrisia e, ao mesmo tempo, compreendendo que essa coisa pode ser externa a você, mesmo que você se identifique com ela depois.

Talvez eu não precise, para me tornar melhor como ser humano, me identificar com funk. Mas penso que existem muitas preferências que adquiri com o tempo por querer romper paradigmas. E penso que há muitas outras dignas do mesmo caminho.

Quero enfatizar que existe um grande problema social quando não é atingido o passo número 2. Normalmente, é quando se possui a noção intelectual de uma idéia, mas se foge a ela na hora da brincadeira. Exemplo: piadas preconceituosas, apoiar a homossexualidade na teoria, mas censurar na prática.

Acho que, no fundo, dizer que "gosto não se discute" é a última defesa de quando não se quer assumir preconceitos e paradigmas. O gosto é a instância mais profunda na constituição do eu e de nossas diversas formas de enxergar o mundo. 

Gosto se discute, sim. Gosto se muda. Discussões e mudanças libertam.

Nenhum comentário:

Postar um comentário