Ontem eu assisti a um grande sucesso literário que pretendo ler e já teria comprado se não houvesse adquirido livros além da conta no último mês. Vamos administrar o bolso, vamos?
Falo da trilogia Jogos Vorazes. Eu vi o primeiro filme com o namorado e dois amigos, vi por acaso e gostei. Sabia que ia gostar porque os órfãos de Harry Potter têm migrado para essa série.
Para quem ainda não sabe, a história se trata de um mundo paralelo em que existem treze distritos. Doze, todos pobres e com produções específicas, rebelaram-se contra o décimo terceiro (rico, glamouroso e poderoso) há muito tempo; o décimo terceiro venceu a guerra e decretou, para deixar bem claro quem é que manda, que, todo ano, em cada distrito, um casal de jovens entre 12 e 16 anos fosse mandado para uma arena onde todos os vinte e quatro se matariam até sobrar apenas uma pessoa, o vencedor. Esse torneio é uma forma de entretenimento do distrito rico - uma espécie de Big Brother, só que as facadas são reais.
Os jovens são chamados de "Tributos".
Eu não sei se as regras são exatamente essas - vi o filme ontem e só uma vez, e qualquer leitor que se preze despreza sinopses da obra sem uma leitura detalhada.
E qualquer espectador preguiçoso demais para ler o livro despreza leitores dos livros que os desprezam, e assim por diante.
Na realidade, acho que os leitores adorariam te enfrentar em uma arena de Jogos Vorazes se você, como eu, faz sinopses e minicríticas de uma obra literária tendo visto apenas o filme.
Enfim, eu adorei. Tem clichês, mas eu não tenho nada contra clichês - na verdade, aprecio o dom de contar uma história previsível de um modo tão fodástico que prende a atenção do espectador, e esse é o caso.
Quem viu consegue detectar duas histórias que a inspiraram, que são:
- 1984, de George Orwell, a quem as obras de distopia das últimas décadas se referem dizendo "Yes, My Master".
- A milenar lenda grega "O Labirinto do Minotauro".
Eu não estou dizendo que ambas as obras são a originalidade em carne e osso, mas foram, sim, precursores de seus gêneros. Foram precursores marcantes.
Aquela b*stinha que passa sazonalmente na Globo apresentada pelo Pedro-tô-rico-e-vocês-não-seus-losers-Bial, por exemplo, foi inspirada em 1984. E, devido à onda pseudocult que invade a rede, vocês já sabem disso, certo?
Para quem não sabe, é hora de ler um pouco e contar para os pseudocults coisas que nem eles sabem sobre 1984.
Experimentem, vocês não vão se arrepender.
Agora, sobre os tais Jogos Vorazes:
A autora, Suzanne Collins, acertou em alguns aspectos:
- Ela trouxe o conceito de "distopia + coragem + revolução". É uma receita incrível que, quando bem dosada, emociona, tornando-se infalível. A Katniss Everdeen (protagonista) é uma garota inteligente, ágil, justa, de coração bom, mas nada é exagerado em sua personalidade. Ela não é infalível, não é artificial e não é a melhor em tudo, mas a simplicidade de seus atos - que se tornam grandes - fazem dela uma garota extraordinária. Ela é durona, mas não esconde sentimentos; ela se apaixona, mas não morre por isso; ela fala pouco, mas sabe se comunicar. Ela tem duas habilidades muito claras - manusear o arco e escalar árvores -, então estamos diante de um personagem limpo e de habilidades não tão extraordinárias: uma garota boa com arco, beleza, boa escaladora de árvores (plausível pela sua história de vida) e que escolhe sempre um caminho de retidão, de justiça, mas sem atos exagerados. Ela faz o que pode e quando pode, mas não tenta fazer o impossível de um jeito heróico e clichê demais.
Uma cena que considero genial é a seguinte: para se proteger de outros jogadores, ela sobe em uma árvore e dorme nela; durante a noite, ela acorda de um cochilo e vê, ao longe, uma fogueira. Resignada, ela apenas ri, consciente de que acender fogueiras quando existem humanos na selva te caçando é uma bobagem - mas ela não se arrisca a descer lá e avisar o incauto indivíduo, porque ou haveria uma batalha contra o jogador ou correria o risco de ser morta por um terceiro jogador que aparecesse para matar ambos. Ela sabe que não pode fazer nada a respeito, ela conhece as próprias limitações. Está correta em fazer isso? Não importa, ela foi humana, plausível e coerente. E consegue transmitir força e compaixão mesmo nesses atos.
- O conceito de "jovens mortos e mortais". Vivemos uma época em que nós, jovens entre 12 e 30 anos, estamos familiarizados com a violência. Rimos dos filmes do Hitchcock ("Psicose", sabe?), só entendemos "O Exorcista" como filme de terror quando vemos ainda crianças (não foi meu caso, por isso dou risada - como tiveram medo daquilo? A menina parece feita de isopor) e banalizamos o sangue e o terror. É simplesmente uma tarefa hercúlea criar uma história aterrorizante para a nossa geração - não somos tão impressionáveis como nossos pais foram.
Por outro lado, não estamos familiarizados com o conceito do jovem violento, do jovem matando jovem e de jovens perdendo a vida de forma cruel, sanguinária, selvagem. Mesmo na vida real, é um conceito distante; filhinhos da paz, da internet e da comodidade, entregamos a violência nas mãos de gladiadores fisiculturistas de trinta anos ou a adultos de 40 introvertidos que se metem em casas assombradas e crises psicóticas. O conceito de jovem morto de forma visceral é relativamente novo e quase inexistente em nossa cultura - só usamos em verdadeiros filmes trash surreais demais para serem levados a sério, como Jason. É uma comédia de terror em que se misturam sexo e mutilações surreais. Você não coloca na cabeça que eram jovens com um futuro inteiro pela frente, que eram jovens com esperança, que eram jovens vítimas - apenas quer ver de onde vai sair o sangue na próxima tomada.
Ou aquele comercial de airbags entre uma matança e outra.
(Pausa para ver se alguém entendeu)
Eu não curto muito esses filmes, só pra constar. Eu jogaria no local relativo à sua denominação usual - ou seja, na lixeira.
"Jogos Vorazes", na minha opinião, inova nesse sentido. Em muitas obras, mesmo quando jovens morrem cruelmente ou matam, existe uma culpabilização/interferência forte do adulto de mais de trinta anos - os jovens podem até acabar morrendo, mas frutos de um conflito adulto demais. No caso de Jogos, embora a origem de tudo - a guerra e a miséria dos distritos - seja algo "adulto", o livro é infanto-juvenil, e o desafio também é. Jovens entre 12 e 16 anos ficam em uma floresta encarregados de matarem uns aos outros, e isso é um conceito visceral e impressionante, porque une dois elementos aparentemente opostos em nossa cultura pop, que é o de "jovens gostarem de morte e de sangue" e o de "jovens não conhecerem o conceito real de morte e de sangue". É como se alguém falasse "então você gosta de morte e sangue, jovem? E se jovens de sua idade fossem colocados pra se matarem?"
É, o bom entendedor já sabe que estou dizendo que somos um bando de mimadinhos usando fraldas e insistimos no facebook que usaríamos uma Glock em caso de apocalipse zumbi.
Se você, caro leitor, discorda, então é porque não usaria Glock - você seria o zumbi ou a isca, apenas não se deu conta disso.
"Vença Jogos Vorazes ou conquiste uma cidade-zumbi à sua escolha", eles disseram.
E sobreviver não é comer plantinhas inocentes e cortar árvores - é dar pedradas, pauladas e, se possível, golpes de espada em um jovem de sua idade (ou mais novo) até ele parar de resistir.
É violento. Numa época em que jovens são extensões do mundo infantil (mesmo eles não querendo ser), é violento. Mesmo em histórias medievais, não somos introduzidos a esse conceito de forma tão direta - há sempre a intervenção de um adulto.
Em Harry Potter, existem jogos, e algumas pessoas são eliminadas - mas elas apenas desmaiam. O único jogador jovem que morre é assassinado por um adulto, e fora do jogo.
Em Senhor dos Anéis, as pessoas são até "jovens", mas são bem adultas, e não adolescentes.
Entendem a diferença gigante entre o conceito de jovens que vivem aventuras fantásticas (correndo riscos, é claro) e jovens que são colocados para matarem uns aos outros?
É violento, mas não visceral demais, e se fez sucesso é porque nós estamos em uma geração assim. Jogos Vorazes, para mim, é uma tradução do jovem atual em relação à cultura pop. Não sabemos atirar, não sabemos usar espadas, não sabemos escalar árvores e nem quais alimentos escolher em uma selva, mas estamos familiarizados, ainda que virtualmente, à violência da história.
Não acho que jogos violentos deixem uma pessoa violenta. Nem perto disso.
O que quero dizer é que somos capazes de apreciar essa história porque estamos familiarizados à violência, ainda que apenas em teoria.
Outro ponto que quero ressaltar é a atuação da Jennifer Lawrence. Não vou entrar nos méritos do ocorrido no Oscar - quero salientar a ótima atriz que ela é, e isso é algo raro entre jovens atores. Jennifer consegue transmitir emoções sem fazer caretas, e isso é ótimo quando se quer atuar em um filme, e não no teatro - a expressão facial dela é a exata de quem passaria por situações similares - pressão, medo, ansiedade, vergonha, afeto. Quando ela atua, sem exageros mas com presença de espírito, você se coloca no lugar dela e sente o que ela sente. Sem caretas demais ou gestos teatrais - e isso é muito difícil de se ver em um ator, especialmente se for jovem e numa época em que um rosto bonito te garante passe livre em Hollywood & cia. Com menos, ela diz mais.
E ela conseguiu transmitir a simpatia que, imagino, a personagem tem no livro. O ator é fundamental, na película, quando se quer fazer o espectador simpatizar com o personagem - é só olhar o Harry, por exemplo. O Harry pode parecer mais apagado por ser o foco narrativo nos livros, mas você aprende a se identificar com ele e a amá-lo - você o entende e o acha irônico, engraçado e humano. Você gosta da narrativa, e se gosta, gosta do Harry.
Mas o Daniel Radcliffe, ao perder suas bochechas e suas feições angelicais da infância, perdeu também o carisma, então o Harry ficará lembrado para sempre como um cadáver, só que vivo.
Jennifer, porém, brilhou como a Katniss. Como disse meu namorado "Ela é uma referência, você acaba querendo ser como ela - você, pelo menos, tenho certeza de que gostaria".
É, ele me conhece bem.
Notem como isso é sutil, e é o que diferencia Bellas de Katnisses.
Particularmente acho a Kristen Stewart simpática e os hipócritas que a condenam (aquele lance da traição) como merecedores de dois quilos de sensatez. Mas a atuação da Kristen, tanto em Crepúsculo como em Branca de Neve, deixaram a desejar.
Aliás, tanto a Bella quanto a Branca de Neve sempre foram um pouco sem sal. Com a Kristen, então, a coisa só afundou de vez.
Agora eu deixo aqui um segundo vídeo que tenho adorado ver, de uma música fofíssima! Na realidade, tive curiosidade porque me disseram na faculdade que me pareço com ela e, bom, tenho certeza de que vocês também iriam atrás de alguém se fossem acusados desse delito.
Não sei se existe semelhança ou é só impressão...
Só que existe uma diferença quase impossível de notar que, bem, se eu dissesse, ninguém notaria...
Ela sabe cantar. E muito bem.
Galera desafinada que lamenta esse fardo profundamente, tamo junto!
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