sexta-feira, 11 de julho de 2014

Cloud Atlas e a espiritualidade #1


Eu fiz um post recomendando Cloud Atlas há mais de um ano - eu nem havia começado a faculdade! Como vi o filme pela terceira vez há mais de um mês, decidi que era hora de fazer uma análise um pouquinho mais pontual do filme e, desta vez, com spoilers.

Lançado há menos de dois anos por uma equipe de renome, Cloud Atlas (traduzido no Brasil para “A Viagem”) é um filme ousado. Longo, multifacetado, por vezes até confuso, ele coloca como objeto central as reencarnações.

“A Viagem” também foi o nome de uma novela exibida nos anos 90 pela Rede Globo, no Brasil. Ela também tratava sobre reencarnações à luz do espiritismo kardecista. Pela semelhança temática, achei curioso o longa ter o mesmo nome.

Eu não sei se foi a tradução mais adequada para o título do filme porque acho que a idéia não é bem essa – achei um pouco vago diante do que o longa representa. Existe uma diferença notável no modo como o tema reencarnação foi inserido – foi mais humano, menos divino. Por “humano” e “divino”, eu quero dizer que a novela teve uma grande influência do espiritismo kardecista, com o roteiro baseado em duas obras psicografadas pelo médium Chico Xavier (inclusive o conhecido “Nosso Lar”). Algumas cenas ocorrem no entre-vidas, tanto no Umbral quanto nas colônias. Ou seja, a novela extrapola o conceito existencial para o “divino”, para o desconhecido, para a vida após a morte, para a existência enquanto espírito puro.

Cloud Atlas não vai por essa linha, atendo-se às vivências materiais ao longo de séculos, sem se meter no que acontece após a morte. Seu foco é apenas a reencarnação, e o quão complexa ela pode ser, inserida nessa dança do mundo pelo tempo e espaço.

Estou abrindo uma série de posts para ressaltar aspectos que considerei importantes no filme, e, por isso, aviso que haverá spoilers.

De antemão, não é um filme fácil. Ele é longo, por vezes confuso, e muita coisa acontece. Desde o início, percebi que precisaria vê-lo mais e mais vezes, a fim de captar detalhes que aparecem rápida e simultaneamente, como se o filme todo fosse um redemoinho. Assisti a ele três vezes e ainda acho pouco.

Ele é uma tentativa sutil, quase hollywoodiana, de abrir nossas mentes – talvez seja errado eu denominar “hollyoodiano”, visto que é um filme, apesar de caro, de iniciativa independente. É como se esse filme caminhasse com a sociedade vigente, nem ousado demais e nem ultrapassado – como se pegasse grandes questões coletivas e as enfileirasse de forma nítida, apontando-as e, por meio delas, apontando conceitos existenciais do novo século.

Por meio desse filme, ainda somos reféns de nossa própria contingência, mas entendê-lo é como alargar as fronteiras de nossa concepção existencial. A começar pelas polêmicas personagens interpretadas por Tom Hanks – um mesmo espírito, muitas reencarnações.

Creio que o principal ensinamento destas é que ninguém é muito bom ou muito mau, e que o que chamamos erroneamente evolução é muito mais complexo e diversificado que nossa linear e pobre compreensão. O que entendemos por evolução ainda é pobre, pontual e preconceituoso demais, e ainda estamos nos libertando da idéia de punição pelos males que cometemos. E o filme, de uma forma que chamaria de laica, rompe com essa idéia.

Ao longo de reencarnações, a personagem de Tom Hanks renasce como um mafioso orgulhoso e vingativo; um homem covarde e assombrado por demônios, mas capaz de recuperar a coragem por amor; um homem apaixonado que toma uma rápida decisão corajosa, revolucionária (culminando em sua morte); um médico ganancioso capaz de assassinar a sangue frio e, por fim, reencarna na figura de um galante ator; ele é um pouco de tudo. Sua personalidade em cada vida admite facetas demais, e são várias personalidades para um mesmo espírito – e também, vários padrões.

As personagens de Halle Barry, Hugo Weaving e Doona Bae brincam com a possibilidade de se reencarnar sob vários sexos, várias nacionalidades, de várias formas.

Acho que, para encerrar a primeira parte desse tema, eu gostaria de deixar bem claro o quão despretensiosa é essa narrativa. Pois, se a novela “A Viagem” é fortemente alinhada ao espiritismo kardecista – um dos diversos espiritismos que o planeta Terra conheceu -, Cloud Atlas parece seguir uma linha espiritual desprovida de qualquer conotação espírita ou religiosa. É como se reunisse conhecimentos mundanos, triviais, das relações humanas e extrapolasse para conceitos existenciais inacabados, plantando a semente da dúvida que germina no coração humano pensante. É um filme que se inicia e encerra com reticências, abrindo uma nova possibilidade para um velho conceito, mas sem a responsabilidade de fornecer uma resposta definitiva.

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