Havia essa pessoa, tão velha quanto a própria consciência, que tinha apenas um objetivo em sua longa vida: guardar algo cuja imensidão ele mesmo desconhecia.
Sua rede era feita de fios trançados, amaciados com linho e seda, e seu entretenimento consistia em investigar livros incompletos de palavras aleatórias que formavam histórias sem fim. Cada livro continha dúzias de histórias, e cabia a ele descobri-las, uma a uma e, por vezes, entretinha-se costurando as histórias já descobertas para decifrar um eventual padrão que as unisse em uma única narrativa.
Esgueirava-se agilmente por sua rede com certa freqüência, firmando os arreios que a prendia firmemente a galhos de procedência desconhecida; alguns bonitos e vistosos, como se pertencessem a sábias árvores centenárias, porém outros eram tristes e doentios como escarpas de penhascos úmidos e obscuros. Ele não via a origem desses galhos que forneciam o apoio de sua morada, mas sabia que eram firmes, pois há muito se encontrava ali, cumprindo sua função de guardião.
Além dos livros, guardava em sua rede uma miscelânea: um pedaço de arco-íris petrificado, uma folha seca outonal, o raio dourado de uma estrela, um sopro de vento gélido em meio à tempestade, o rosnado de um lobo, o grunhido de um urso e um vórtice de função desconhecida, todos devidamente enlatados e protegidos. Havia também uma bússola que apontava para caminhos seguros da quarta dimensão, um astrolábio enferrujado, um bolinho ressecado, uma ampulheta com ouro em pó e gotas de orvalho congeladas. O guardião não sabia exatamente quando essa infinidade de coisas fora parar ali, em sua rede, mas simplesmente não ocupavam espaço algum - tinha até a impressão de que a rede se expandia para comportar a todos, ou então que algumas coisas pareciam flutuar para lhe ceder espaço gentilmente. E, quanto mais itens apareciam, mais a rede se expandia.
Ficava a pensar e a se entreter com esses objetos que não eram exatamente pertences seus - apenas estavam ali, naquilo que chamamos momento -, até que algo despertava.
Algo que poderia ser um abismo, uma garganta ou um nada parecia acordar e sugar tudo, tudo o que conhecia. E o guardião esgueirava-se por sua rede, firmando os arreios, salvando objetos, impedindo que o buraco, com sua força descomunal, engolisse tudo. E nada devolvesse.
Perdera a batalha algumas vezes. Quase perdera a rede certa vez. Mas sempre reconstruía o que podia, descabelado e atônito, porém resignado.
O nada que havia abaixo de sua rede parecia sugá-lo com toda a totalidade - sugar as coisas, os sentimentos e tudo o que conhecia, como um grande buraco negro. E então descobrira que sua função ali era resistir e se reconstruir a partir de cada ímpeto desse buraco.
Por isso, autodenominara-se o guardião do limbo; limbo que, de tempos em tempos, parecia engolir sua existência.
Mas ele precisava partir daquilo que sempre lhe sobrava e tornar a existir de fato.
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