domingo, 30 de dezembro de 2012

Sobre traduções ruins e "The Help"



Ontem eu assisti ao filme "The Help", traduzido medonhamente para "Histórias Cruzadas". Eu ainda gostaria de saber qual o processo cognitivo pelo qual os tradutores de títulos de filmes passam que os leva a criar expressões comuns e enfadonhas para os originais curtos e precisos. Deve ser uma cadeia sináptica com influências astrológicas particularmente bizarras para o indivíduo traduzir:
  • Inception - A Origem
  • Source Code - Contra o Tempo
  • The Blind Side - Um Sonho Possível
  • The Princess and the Marine - Amor Sem Fronteiras
  • The Help - Histórias Cruzadas
Sinceramente, vamos pensar: quando você pensa num filme chamado "Inserção", o que isso te lembra? Quantos filmes poderiam ser confundidos com esse? A resposta: apenas um filme combina com esse título. Um filme que fala sobre... INSERÇÃO! O que exatamente é essa inserção não importa, porque a idéia é a palavra ser exótica e compreendida no contexto do filme. Se houvesse um filme chamado "Inserção", você não ficaria boiando enquanto tentaria lembrar qual, entre tantos enredos parecidos e com atores repetidos, seria esse filme.

  
"Ahhh, Inserção não é um filme sobre inserir uma idéia na mente do cara? Com aquele cara fodônico na equipe, o Arthur?"    

Joseph Gordon-Levitt mostrando como superou a Summer.


"A Origem", além de ser uma expressão usada somente no final do filme e sem causar nenhum impacto, é uma expressão vaga que poderia pertencer a praticamente todos os filmes produzidos só em Hollywood. Ela não te remete a absolutamente nada, e então temos um título esteticamente bonito e vazio.
    
O mesmo se aplica a Source Code. "Código-fonte" não seria o título mais preciso do planeta, mas em quantos filmes essa expressão é repetida à exaustão? É difícil não se lembrar de Jake Gyllenhaal pronunciando essa expressão a cada cinco palavras usadas. Enquanto isso, "Contra o tempo" é uma expressão que traduz uma situação encontrada em 99,9% (deixemos o 0,1% para margem de erro) dos filmes já feitos. Todos, absolutamente todos os mocinhos correm contra o tempo em algum momento, para não dizer no filme todo.

"Contra o Tempo", um grande sucesso estrelado por Matt Damon.


Ainda não entendeu? Não seja por isso:

CONTRA O TEMPO!  

"The Blind Side" é um exemplo marcante porque o filme começa EXPLICANDO o porquê do título, que na realidade é uma metáfora. A Sandra Bullock narra o que é o tal "blind side" ("lado cego") no jogo de futebol americano, que é um importante elemento da história, e se a tradução do filme fosse "O Lado Cego" (ou algum sinônimo), é claro que qualquer um poderia se lembrar dos minutos introdutórios do filme, que são deveras esclarecedores.
    
Mas não. Os tradutores tomaram uma dose de laxante que fez, mais do que uma lavagem intestinal, uma lavagem cerebral, e escolheram "Um Sonho Possível". Agora, me digam, a quantos filmes esse título pode se aplicar? De quantos filmes sobre sonhos e realizações você já ouviu falar? Praticamente todos, imagino. Mais vago do que isso, impossível.
    
"Mas, Bárbara, você está sendo dura com essa galera. Existe uma porrada de filmes sobre futebol americano também."
     
Mas todos falam sobre esse "blind side"?
     
"The Princess and the Marine" eu vi na sessão na tarde e, apesar de não ser tão popular quanto os exemplos anteriores, ainda é um exemplo interessante. Como o título sugere, é uma história de amor entre, adivinhem só?, uma princesa e um fuzileiro.
     
A tradução foi: "Amor Sem Fronteiras". Apesar de se encaixar no contexto como uma luva, é também o nome de outro filme mal-traduzido, "Beyond Borders", só que esse seu xará, com a Angelina Jolie no elenco, é bem mais famoso. Eis uma prova de como títulos genéricos correspondem a todos os filmes possíveis: "amor sem fronteiras" é uma expressão tão vaga, tão ampla e tão genérica que foi usada em dois filmes com enredos totalmente diferentes!
     
O primeiro filme é sobre o amor proibido entre um soldado estadunidense e uma princesa muçulmana.
    
O segundo é quase uma autobiografia da Jolie(certo, nem é), sobre uma mulher rica que decide ajudar o mundo.
    
Sei que muitos de vocês já reclamaram disso e da péssima tradução de histórias, mas não vou entrar no mundo das legendas ou dos livros traduzidos ainda - por ora vou me ater aos títulos de filmes.
    
E, por fim, temos "The Help", um título não tão específico quanto os outros, mas traduzido para um mais genérico ainda: "Histórias Cruzadas".
     
Baseado em um romance, relata uma história contextualizada no racismo estadunidense contra os negros na década de 60. Uma jovem jornalista de espírito independente (interpretada por Emma Stone) dá seqüência a um secreto, ambicioso e arriscado projeto de escrever uma história que conta o ponto de vista (jamais perguntado até então) das empregadas negras que trabalhavam para as famílias brancas.
    
Eu gostei muito desse filme. Além da arte dele ser maravilhosa, com todos os seus figurinos, cenários e cores, ela relata de forma precisa o que paradigmas podem desencadear na humanidade, quando não questionados. Quando você não se pergunta por que diabos um negro tem menos direito do que você, cara pessoa branca, e vive em função desse preconceito, você prejudica a vida de milhares de pessoas que têm seus sonhos despedaçados só porque nasceram diferentes e porque você não se deu o trabalho de tentar ver além do seu universo umbigo. 
   
A profundidade desse conceito se encontra nos detalhes: quando uma madame (excelente Bryce Dallas Howard) incentiva uma campanha para a construção de um banheiro secundário para negros; quando uma das empregadas (fantástica Viola Davis) diz que, quando criança, já sabia que futuramente seria empregada doméstica porque sua mãe havia sido; quando a filha de uma das personagens, uma menina, torna-se a nova empregada na cidade de Jackson e é aconselhada pela mãe sobre como proceder em seu novo emprego; quando, em tom de conversa, é mencionado que a Ku Klux Klan matou um homem negro diante de seus filhos. A naturalidade com que esses acontecimentos são abordados nos coloca em um universo quase surreal de tão primitivo, e é incrível como ele existiu por pura falta de empatia.
    
Por puro comodismo.
   
Outro detalhe interessante era como Skeeter (Emma Stone), a repórter da história, tinha de lidar com essa ausência de cérebros pensantes em seu nível social: inteligente e independente, ela não quer se casar, e essa simples decisão pessoal a coloca como uma aberração entre as mocinhas brancas com cabelos cheios de laquê e cinturinha fina de seu círculo social. Então, ela enfrenta não o machismo ou o racismo, mas sim uma força conservadora que simplesmente não quer pensar por nada e nem por ninguém.
    
Em nome de todos os vestidos lindos que aparecem, da boa atuação por parte de todas as atrizes e, é claro, da história comovente e profunda, eu recomendo The Help!


Um comentário:

  1. Realmente a tradução dos nomes de filmes é um lixo. Não só de filmes, mas de seriados também.

    Num seriado onde o nome é "Joey" (O nome do personagem principal) me tacam "Vida de artista"... É foda...

    Sugestão devidamente anotada. Continue com o seu blog que esta muito bom! :)

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